quinta-feira, 19 de setembro de 2019

O outro quando fala é como eu falo,
não igual;
é diferente nas palavras
mas ainda como você e eu.
O outro quando anda,
caminha como eu caminho,
um pé após o outro;
não igual,
mas como você e eu.

O outro quando come é como eu como,
mas não igual; 
ele também sente fome
como você e eu.

O outro quando ama é como eu amo,
não igual,
mas como eu amo e também você;
O outro quando sofre,
sofre como eu sofro,
mas não igual,
mas como você sofre
e eu sofro,
pois no outro o coração também bate,
como bate em mim e em você
e também em todo ser vivo
"pois tudo o que vive, quer viver".

quinta-feira, 12 de setembro de 2019

Vindouro

Ao ver meu rosto refletido
na água parada dessa poça,
entro em contato
com o que projeto no mundo,
e assim entro em conflito
com os sentimentos
que julgava serem meus,
mas que são o inverso,
pois sinto que pertenço a eles.

Quando a brisa suave que vem das árvores
colide com meu corpo,
toca minha pele como se fosse uma carícia,
me agride,
me fere mais do que uma navalha;
quando a brisa suave que vem das árvores
faz balançar meus cabelos,
deixo que escondam meu rosto,
pois eu não me sinto capaz,
já não tenho força.

Desejo, no entanto,
que essa brisa suave se torne um vendaval
e que transforme esse lugar
em algo novo,
do qual eu possa fazer parte
e não somente
preencher as paisagens.

É sempre num tempo vindouro.


quarta-feira, 11 de setembro de 2019

Que o vento venha

Sempre que o vento vem
de encontro ao meu rosto
respiro fundo e sorrio
por não ir a lugar nenhum
e fecho os meus olhos
e então o sinto,
e é 'apenas' isso.

Depois que o vento vai,
eu fico;
eu sempre fico,
mas ele segue
assim como tudo deve seguir
quando o vento sopra nas árvores
e as folhas caem
e eu sei que é outono.

Eu me alegro e me renovo
sempre diferente
quando entendo que buscar respostas
é negar a verdade
de sentir o que eu já não sinto.

sexta-feira, 23 de agosto de 2019

Vazio

Quando caminho,
nem sempre estou andando
com minhas próprias pernas,
mas sendo levado pelas circunstâncias,
por conjunturas que não consigo controlar.

Minha vida se dá
entre trajetos e tragédias,
mas só eu dou o tom
e a importância para cada uma delas;
faço de cada momento,
único,
meu da maneira mais egóica,
porque só eu sei o que me passa
quando o momento acaba,
e dá lugar a um vazio
como se eu necessitasse
de algo que me completasse,
que preenchesse o que me falta,
pois o que falta é sentido
que não encontro nessas palavras.


sábado, 1 de junho de 2019

À tarde

A casa no meio da tarde,
silenciosa e quente como um afeto,
rodeada por verde
e vales impossíveis e incertos.
Era uma existência lenta,
sem a pressa de outros lugares;
eram as árvores altas
diminuindo a distância do nosso afastamento.
Da fumaça do café, a manteiga no pão,
mais do que o gosto,
o convite a presença.

Olhávamos pela janela da sala
e falávamos sobre as coisas que passaram por nós,
nós que ficamos
entre as memórias ingênuas da infância
e aquele sentimento
de que ficou tudo distante demais.

Resta o aceno
e um conforto do lado esquerdo.


quarta-feira, 8 de maio de 2019

Em Nome da Rosa

O céu de brigadeiro
é a única coisa doce que temos,
pois o amargo cotidiano
nos convence
da miséria da qual vivemos.

Se tentamos sorrir,
devemos somente a nossa insistência,
mas assim que sorrimos
sentimos o peso insuportável
da nossa consciência,
alertando para outras mazelas e catástrofes,
martelando nossas cabeças
com outras mazelas e desastres.

Seguimos adiante, em retrocesso:
seguimos o fio do avesso
até ficarmos de ponta cabeça
afogados em um balde com gelo,
até nosso sangue ficar seco
no solo úmido desse lugar secreto
a saliva espessa, azeda,
no canto da boca,
para celebrar a derrota de cada déspota
com a sutileza de um verso
de um poema
que tem o nome de uma rosa.

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2019

Das de Amor n° 56

Não fala mais de amor
porque os poetas não amam mais,
não tem a palavra
a força necessária para a leveza da poesia.
Não busca nas tardes
o conforto triste dos romances
ou das canções
que nos embalaram naqueles dias.

Deixa que assim seja, o que quer que seja.

Não fala mais de amor
nesse tempo ríspido,
do toque áspero,
desse poema que nasce da resistência
e do conflito.
Não fala mais de amor
porque as histórias de amor
ferem o coração,
na insistência de senti-lo,
eu que sinto,
mas não falo de amor
porque não sou poeta,
que para falar de amor
é preciso muito mais do que isso.